segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Cultura popular - as saias das mulheres

Debret - Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil / Jean Baptiste Debret. – São Paulo: Círculo do Livro, sem data

As roupas são um importante elemento na história cultural de uma população. No dia-a-dia, no hábito de escolher uma roupa, vesti-la e sair por aí, não nos damos conta de quanta informação passamos com essa apresentação: estilo de vida, temperamento, classe social, profissão, et, etc. A roupa se adequa a cada ocasião: uma roupa confortável para viajar horas sentado, uma roupa mais sóbria para aquela reunião de trabalho, quase nenhuma roupa para as férias na praia, e por aí vai. Às vezes, sentada em algum lugar público ou esperando o avião no aeroporto, gosto de brincar de adivinhar que pessoas são aquelas ao meu redor. O primeiro elemento que me diz algo sobre o personagem escolhido é com certeza a roupa.

Assim, achei muito interessante um artigo que li sobre a importância cultural da saia no guarda-roupa feminino brasileiro. O quanto ela representa para a mulher. É um artigo de Nestor de Holanda, jornalista, cronista, compositor pernambucano de muito talento que veio morar no Rio ainda jovem. Este artigo intitulado As saias do folclore foi publicado no Jornal Diário de Notícia em 24 de outubro de 1964. Eu cheguei até ele através da revista cultural Jangada Brasil. Boa leitura!


As saias no folclore


Nestor de Holanda


Vejo as mocinhas de saias curtas, calças compridas, saiotes, maiôs, e me lembro de que as saias sertanejas sobretudo as nordestinas, ainda serão capítulos de mestres com Edison Carneiro, Renato Almeida, Câmara Cascudo, porque pertencem ao folclore, figuram como página importante de nossos costumes e muito ajudaram à produtividade da mulher brasileira.

No interior nordestino, as anáguas têm bolsos com a boca presa por alfinete de fralda. É onde as mulheres carregam o dinheiro, o retrato do santo favorito, os bentinhos, as rezas para espinhela caída e mau olhado. E, quase sempre, o alfinete vai carregado de medalhinhas, com os protetores.
Lembro-me da dona Fortunata, de Vitória de Santo Antão. Era senhora de saia que valia milhões. Sua anágua se tornou famosa por excesso de bolsos. Quando dona Fortunata levantava a beira da saia, aparecia tanto dinheiro que dava para comprar a cidade. Na feira dos cavalos, em agosto, cada vez que ela suspendia os babados e puxava uma maçaroca de cédulas, os capangas só tinham o trabalho de pegar no cabresto do puro-sangue e levar o animal para a fazenda.
De uma feita, dona Fortunata entrou, na farmácia de meu avô, o coronel Hipio. Nem conversou: levantou a saia e mostrou o bolso da anágua:
— Dou isso aqui pelas terras do riacho.
O coronel, que ia cheirando o rapé, nem chegou o cheirar. Respondeu, incontinenti:
— Baixe a saia, dona Fortunata. As terras do riacho não têm preço.
Mas o filho do coronel era mais prudente. Aproximou-se:
— Levante a saia, dona Fortunata. As terras do riacho são minhas e as vendo agora mesmo.
Foram ao cartório. O filho do coronel voltou com seiscentos contos amarrados no lenço. Fez o melhor negócio de sua vida.


As saias das lavadeiras de beira do rio, compondo a posição incômoda que elas trabalham, completam as paisagens ribeirinhas. À beira-d'água, è na barra da saia que as lavadeiras acomodam o sabão.

Saia de mulher sertaneja serve para limpar nariz de filho, para enxugar mão, para cobrir a cabeça do menino quando o sol está quente demais, serve para aparar casca de vagem, de batata, de cebola, ou os caroços de milho, quando ela prepara a comida. Serve para colher frutos.
A mulher rendeira não conta com a saia, somente, para compor-se. Acocora-se junto à almofada, movimenta os bilros, muitas vezes prende a ponta da linha na barra da saia.
Conheci uma infinidade delas, nas feiras nordestinas, comprando na barra da saia:
— Bota aqui duas dúzias de tomates, freguês.


São famosas as saias espanholas ou russas, nas danças regionais. Mas as brasileiras também participam muito dos ritmos, dos cocos, dos xotes, dos xaxados. Não há forró sem as saias que enchem o terreiro e dão outra vista às gaúchas, as que completam os pares de dançarinos, unindo-se às bombachas e esporas.

Enfim, aqui fica a idéia de um estudo, de um capítulo de nosso folclore, de nossos costumes.
E — não me levem a mal — as jovens de hoje estão abolindo a saia, porque não trabalham tanto — pelo menos, não trabalham como as mulheres braçais do interior do Brasil. Por isso, não sabem quantas utilidades as saias têm...

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